domingo, 3 de março de 2013
E daí a vida diz que eu não posso mais fugir. Da realidade, do espelho, das pessoas, da varanda. Tentei explicar que é só o que eu sei fazer, tentei contar uma piada, enfatizei com minhas vísceras uma boa desculpa para me justificar, para me aquecer, para enrolá-la. Mas ela conhece minha pobreza de argumentos, minha falta de traquejo, minha vontade de enfiar a cabeça embaixo da terra e esperar o dia terminar ( ou os dias ) e não me deixa falar, não me deixa sequer abrir a boca sem me alfinetar, sem martelar meu dedo mindinho com o passado.
Meu passado de quases, meu passado de quase foi pra sempre, de quase eu consegui, de quase te liguei, de quase não tive medo. Meu passado cheio de flores de plástico e chocolates derretidos. Cheio de camisetas suadas e mãos geladas por baixo da mesa, de passeios pela praia e conversas abafadas por música alta, de contas de celular que vou pagar até me aposentar. Histórias transbordando de "quases". Quase não fugi. Mas fugi, eu estava cansada de fugir. (quase)
Meus dedos indicadores são calejados de ansiedade, de impaciência. Minha mão inteira é áspera de uma vida me esfregando em fronhas, arrastando a cama de um lado para o outro tentando fugir da insônia. Fugir me deixou áspera, eu acho. "Posso parar a qualquer momento" e lá estou eu fugindo de novo. Da análise, do telefone, da sopa de inhame, da salada de tomate ( odeio tomate O D E I O ) do reencontro de colégio, do amor, do merthiolate que arde, de mim.
Uma vez ia deixar a pessoa errada abrir meu coração. Até olhei no livro do plano de saúde, mas quando cheguei pra cirurgia faltava o anestesista. E eu fugi quando senti o primeiro talho do bisturi. Confundiram morfina com soro fisiológico e me cortaram mesmo assim. Chego em casa sangrando e mostro o corte que trago no peito, bem limpo, bem fácil de costurar, mas minha mãe pega a linha preta e costura um grande mapa em minha pele, o mapa de onde eu não devo mais ir? Ou o mapa para onde devo fugir? Não sei, fechei os olhos nessa hora, nem quis saber o significado. Só sei que depois disso passei a transformar o amor em passado, como quem coloca caldo demais no macarrão e o transforma em sopa. Até o dia em que cansei de comer sopa. Hoje vivo nessa mesa de operação, ainda não tem anestesista eu sei, estou esperando pelo corte, talvez doa, talvez não. Mas pra quem viveu sempre de quases, talvez quase doa, ou talvez quase seja pra sempre... até doer. Que doa, então...
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